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Nirsevimab: Na Prevenção Contra o Vírus Sincicial Respiratório em Lactentes e Grupos de Risco

O vírus sincicial respiratório (VSR) é um dos principais agentes etiológicos de infeções respiratórias agudas graves em crianças e a principal causa de hospitalização nos primeiros anos de vida (1,2).  Dadas as dificuldades no desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz para crianças, a imunização passiva com anticorpos monoclonais (mAbs) neutralizantes tem emergido como uma estratégia preventiva de eleição, proporcionando proteção imediata contra o VSR.

A utilização profilática do palivizumab foi institucionalizada pela Norma 012/2013 da Direção-Geral da Saúde (DGS), dirigida a grupos de alto risco, exigindo administrações mensais durante toda a época de circulação do VSR, com elevado custo e logística complexa (3). O surgimento do nirsevimab, um anticorpo monoclonal de ação prolongada, aprovado em 2022 pela European Medicines Agency (EMA), trouxe vantagens claras: proteção com uma única dose por época, eficácia comprovada na prevenção da hospitalização por VSR em lactentes, incluindo recém-nascidos saudáveis e perfil de segurança favorável (4).  A Norma 05/2024 da DGS passou a recomendar o nirsevimab como estratégia preferencial de imunização passiva, em consonância com as recomendações mais recentes da Organização Mundial de Saúde (5,6). No arranque de uma nova época vacinal, importa recordar os pontos-chave relativos a este tema.

O Vírus

O VSR pertence à família Paramyxoviridae, subfamília Pneumovirinae, género Pneumovirus. É um vírus de cadeia simples de RNA, de polaridade negativa e genoma não segmentado. Comparativamente ao vírus Influenza, não causa virémia nem infeções sistémicas. Transmite-se com grande facilidade, devido à sua simplicidade genómica, provocando reinfeções frequentes devido à ausência de imunidade duradoura. O seu invólucro contém proteínas de superfície que são os seus principais antigénios com importante papel na sua virulência: a proteína F responsável pela fusão do invólucro viral com a membrana da célula-alvo e a proteína G (glicoproteína subtipo A e B) responsável pela adesão do vírus às células do trato respiratório (1,7–9).

Transmissão

Ocorre através do contacto da mucosa nasofaríngea ou conjuntival por inalação de aerossóis ou por contacto com superfícies contaminadas, onde os viriões podem sobreviver por longos períodos. O período de incubação varia entre 2-8 dias e a excreção do vírus pelo trato respiratório persiste durante 1 semana, sendo mais prolongada em imunocomprometidos. Em Portugal, a circulação de VSR tem um padrão sazonal, com maior incidência no inverno, causando epidemias com início em outubro/novembro e pico entre dezembro e janeiro(1).

Grupos de risco

O agente viral não-influenza mais frequentemente associado a internamento hospitalar em crianças com idade <2 anos, tem sido, de forma consistente, o VSR (10–12).  A maioria das crianças é infetada pelo VSR até aos dois anos de idade, sendo o pico de prevalência entre os 2 e 5 meses. As reinfeções podem ser graves em imunocomprometidos com o desenvolvimento de bronquiolite e pneumonia, por vezes com hipoxemia e insuficiência respiratória. Os principais grupos candidatos à imunização sazonal, pela sua vulnerabilidade, são os prematuros (por imaturidade pulmonar e imunidade reduzida) e crianças com: doença pulmonar crónica ou compromisso respiratório; cardiopatia congénita; imunodeficiências primárias ou secundárias; imunossupressão ou doenças hereditárias do metabolismo (13,14).

Estratégias Terapêuticas

Não existem antivíricos específicos para o VSR. A abordagem é essencialmente de suporte e baseia-se em lavagens nasais e hidratação. Nos casos mais graves, com internamento, recomenda-se a suplementação de oxigénio e suporte ventilatório. Os broncodilatadores, corticosteróides e a solução salina hipertónica não se encontram recomendados. O único tratamento aprovado para infeção grave é a ribavirina para inalação, cuja utilização apresenta inúmeras limitações, não sendo comercializada em Portugal (1,14–16).

A prevenção é a melhor estratégia e inclui:

Medidas de prevenção primáriapara diminuição da transmissão do vírus, como a lavagem frequente das mãos, em especial quando há exposição a infeções/secreções respiratórias, a prática de medidas de etiqueta respiratória, evitar a partilha de chupeta e brinquedos, a exposição ao tabaco, locais com grande concentração de pessoas, entre outras;

Medidas de prevenção secundáriapor imunização da grávida com administração da vacina contra VSR (Abrysvo®), que confere proteção passiva ao recém-nascido até 6 meses ou, por imunização passiva com mAbs administrados diretamente ao recém-nascido ou lactente(17).

Nirsevimab

O Nirsevimab é um anticorpo monoclonal humano neutralizante recombinante, IgG1κ, de longa duração de ação, dirigido ao local antigénico Ø da proteína F (conformação PreF), que inibe o passo essencial de fusão da membrana no processo de entrada viral, em ambas as estirpes A e B do VSR, neutralizando o vírus e bloqueando a fusão célula a célula.  Exibe uma atividade neutralizante 50 vezes superior ao palivizumab.  Este aumento de atividade resulta da substituição tripla de aminoácidos (YTE) na região Fc que aumenta a afinidade para o recetor neonatal Fc (FcRn) prolongando a semivida sérica. O tempo de semivida é aproximadamente 71 dias, oferecendo proteção para a totalidade da época sazonal (5 meses) com uma única dose (4,7,15).

Tem indicação para a prevenção da doença das vias aéreas inferiores causada pelo VSR em recém-nascidos e lactentes durante a sua primeira época do VSR e nas crianças até aos 2 anos que permanecem vulneráveis a doença grave pelo VSR durante a sua segunda época do VSR. Recomenda-se a administração intramuscular de uma dose única de 50 mg para lactentes com peso corporal inferior a 5Kg e de 100mg se peso superior ou igual a 5kg. Pode ser administrado concomitantemente com as vacinas pediátricas de rotina em seringas separadas e locais de injeção diferentes. Para as crianças com fatores de risco acrescido estão recomendados outros esquemas de administração. As reações adversas mais frequentes são hipersensibilidade, incluindo anafilaxia, erupções cutâneas, reação no local de administração e pirexia.  Ter em consideração que em crianças imunossuprimidas, com patologias que despoletem perda de proteínas (p.e. enteropatias e síndrome nefrótico) pode haver perda de efetividade (4,13).

Intervenções Farmacêuticas

O Farmacêutico intervém na dispensa de nirsevimab em diferentes momentos: verificação da prescrição (indicação, dose), verificação de possíveis interações ou contraindicações (p.e. história de hipersensibilidade à substância ativa ou excipientes) e garantia do correto armazenamento do fármaco. Em consulta farmacêutica, é essencial alertar para possíveis reações adversas e reportar às unidades de farmacovigilância, se aplicável.  De extrema importância a promoção da literacia em saúde, explicando que a vacina é uma medida profilática e que as medidas de prevenção primárias são fundamentais.

Autores:

Vera Correia, Filipa Cosme, Liliana Calixto, Maria Céu Ferreira, Sandra Magro, Susana Fraga, Patrícia Meireles

Artigo publicado, inicialmente, na NetFarma.

  1. INFARMED. RELATÓRIO PÚBLICO DE AVALIAÇÃO BEYFORTUS (NIRSEVIMAB). 2024.
  2. Gaio V, Guerreiro C, Gomez V, Azevedo I, Pereira D, Almeida Santos J, et al. Vigilância do vírus sincicial respiratório em crianças com idade inferior a dois anos: comparação entre dois sistemas de vigilância em Portugal. Observações Boletim Epidemiológico [Internet]. 2024 [cited 2025 Sep 26];42–6. Available from: https://www.insa.min-saude.pt/boletim-epidemiologico-observacoes-especial-16-epidemiologia/
  3. DGS. Norma 012/2013. Prescrição de Palivizumab para Prevenção de Infeção pelo Vírus Sincicial Respiratório em Crianças de Risco. 2013.
  4. CHMP. BEYFORTUS. ANEXO I – Resumo das Características do Medicamento.
  5. DGS. Norma 05/2024. Imunização Sazonal contra o Vírus Sincicial Respiratório em Idade Pediátrica: Outono-Inverno 2024-2025 [Internet]. 2024 [cited 2025 Sep 20]. Available from: norma-052024-de-12082024-atualizada-a-11102024-imunizacao-sazonal-contra-o-virus-sincicial-respiratorio-em-idade-pediatrica-outono-inverno-2024-2025-pdf.aspx
  6. WHO. WHO Preferred Product Characteristics of monoclonal antibodies for passive immunization against respiratory syncytial virus (RSV) disease.
  7. Jorgensen SCJ. Nirsevimab: review of pharmacology, antiviral activity and emerging clinical experience for respiratory syncytial virus infection in infants. Vol. 78, Journal of Antimicrobial Chemotherapy. Oxford University Press; 2023. p. 1143–9.
  8. SPP. Administração do Anticorpo Monoclonal Anti-Vírus Sincicial Respiratório.
  9. Al-Leimon O, Shihadeh H, Yousef AA, Khraim A, Siwwad R. Respiratory syncytial virus: A review of current basic and clinical knowledge. Vol. 2024, Qatar Medical Journal. HBKU Press; 2024.
  10. INSA. Época 2023/2024 | Semana 39 | 23 a 29 [Internet]. [cited 2025 Sep 20]. Available from: www.insa.min-saude.pt
  11. INSA. Época 2022/2023 | Semana 39 | 25set a 01 out [Internet]. Vol. 39. [cited 2025 Sep 20]. Available from: www.insa.min-saude.pt
  12. INSA. Época 2024/2025 | Semana 38 | 15 a 21. Available from: www.insa.min-saude.pt
  13. DGS. Norma 08/2025.Imunização Sazonal contra o Vírus Sincicial Respiratório em Idade Pediátrica: Outono-Inverno 2025-2026 [Internet]. 2025 [cited 2025 Sep 20]. Available from: https://www.dgs.pt/normas-orientacoes-e-informacoes/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0082025-de-11082025-atualizada-a-04092025-campanha-de-imunizacao-sazonal-contra-o-virus-sincicial-respiratorio-vsr-em-idade-pediatrica-outono-inverno-2025-20261.aspx
  14. Peña-López Y, Sabater-Riera J, Raj P. Severe respiratory syncytial virus disease. Vol. 4, Journal of Intensive Medicine. Chinese Medical Association; 2024. p. 405–16.
  15. Li Q, Li H, Li Z, Wang Y. Vaccine and therapeutic agents against the respiratory syncytial virus: resolved and unresolved issue. Vol. 5, MedComm. John Wiley and Sons Inc; 2024.
  16. Mazur NI, Caballero MT, Nunes MC. Severe respiratory syncytial virus infection in children: burden, management, and emerging therapies. Vol. 404, The Lancet. Elsevier B.V.; 2024. p. 1143–56.
  17. Abrysvo. Resumo das Características do Medicamento_Ago2025.