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Efeitos adversos cutâneos em oncologia: O papel do Farmacêutico Comunitário*

Diogo Matias, Farmacêutico, Especialista em Farmácia Comunitária, PhD, Professor Universitário
Secção Especializada de Oncologia da Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde (SPFCS)

O cancro é um grupo de patologias com um prognóstico ainda reservado. Habitualmente as doenças oncológicas são tratadas por via cirúrgica, por aplicação de radioterapia, por terapêutica farmacológica ou por um conjunto destas opções. A cirurgia é uma abordagem invasiva que visa remover o tumor, embora nem sempre seja possível eliminar a totalidade das células cancerígenas. A radioterapia é eficaz para tumores localizados, mas está associada a efeitos adversos cutâneos na zona de aplicação. A terapia farmacológica, vulgo quimioterapia, baseia-se em fármacos que interferem em etapas específicas do crescimento celular, inibindo a multiplicação das células cancerígenas, mas afetando igualmente células saudáveis de renovação rápida, como as do sistema imunitário, mucosas e pele. A investigação farmacêutica, tem-se concentrado no desenvolvimento de fármacos oncológicos com alvos moleculares mais específicos e que permitam menor frequência e intensidade de efeitos adversos. No entanto, em qualquer destas modalidades de tratamento, os efeitos adversos dermatológicos são muito comuns e têm um impacto significativo na qualidade de vida, integração social e adesão à terapêutica dos indivíduos.

A pele do doente oncológico

A nossa pele tem funções de proteção, regulação e sensorial. A doença oncológica induz várias alterações cutâneas mesmo previamente ao tratamento. O nível elevado de stress oxidativo que se verifica nos portadores de cancros, conduz a atrofia da epiderme e diminuição da densidade de colagénio, com consequente envelhecimento cutâneo precoce, alterações da pigmentação, xerose e flacidez cutânea. Surgem queixas como a sensação de desconforto, repuxamento, rubor e vermelhidão que são relacionadas ao compromisso na função barreira, estando este indivíduo mais suscetível a infeções locais.
A pele do doente oncológico requer por isso cuidados específicos que visam preservar a integridade da pele. A higiene deve ser efetuada com produtos de limpeza suaves, sem sabão, com propriedades hidratantes e que respeitem o pH cutâneo. A lavagem deve ser feita com água morna e a secagem com uma toalha de algodão, sem esfregar. Devem ser aplicados emolientes várias vezes ao dia e incentivar o consumo de água para preservar a hidratação. Deve-se prevenir o trauma, dando-se preferência ao uso de roupa larga e de algodão, evitar o manuseio de objetos cortantes e o contacto com produtos químicos, perfumados ou potencialmente alergénios. A proteção solar é também essencial, devendo o doente oncológico evitar a exposição solar direta e utilizar protetor solar com SPF 50+ mesmo sob a roupa.

Radiodermite

Cerca de 85% dos doentes sob tratamento por radioterapia, desenvolve dermatite por radiação (radiodermite). Surge no local onde é incidida a radiação, inicialmente como eritema e epilação com eventual descamação e ulceração, podendo a longo prazo originar telangiectasias, fibrose, ulceração e até necrose. Começa a manifestar-se a partir da segunda ou terceira semana de tratamento radiológico, progredindo gradualmente e atingindo o pico cerca de duas semanas após o término do tratamento. As emulsões à base de trolamina, um creme combinado com ureia, polidocanol e ácido hialurónico ou pensos à base de poliuretano estão suportados por recomendação clínica para a prevenção da radiodermite.
Reações adversas medicamentosas dermatológicas em oncologia
A quimioterapia é causa habitual de reações adversas medicamentosas dermatológicas (RAMD). Mais de 90% dos fármacos oncológicos do formulário nacional hospitalar, apresentam um efeito adverso dermatológico classificado como muito comum. Estas reações podem surgir localmente, na região de administração de fármacos parentéricos, sob a forma de irritação e eritema locais ou eventual ulceração secundária ao extravasamento de fármacos vesicantes. Mais frequentemente as RAMD, são generalizadas e a magnitude destas reações é geralmente relacionada com a dose do fármaco ou com a frequência de exposição. Os RAMD mais comuns, incluem alopécia (perda de cabelo), eritema (placas avermelhadas na pele), exantema (erupções cutâneas com pápulas e pústulas), hiperhidrose (sudação excessiva), prurido (sensação intensa de comichão), síndrome palmo-plantar (disestesia e eritema nas mãos e pés, com dor intensa), urticária (placas salientes com comichão associado) e xerose (pele seca e descamativa). A gestão destes efeitos secundários é complexa e deve ser suportada por orientações clínicas robustas. Ainda assim, a indicação farmacêutica para a aplicação de cremes à base de ureia a 10% pode ser dada nas situações ligeiras de síndrome palmo-plantar e de xerose. A evidência para o contributo de minoxidil (2%) no crescimento capilar, após a alopécia oncológica não é ainda robusta pelo que, mais estudos são necessários para uma recomendação com maior confiança.

Papel do Farmacêutico Comunitário na gestão da pele oncológica

O farmacêutico comunitário desempenha um papel multifacetado na gestão da pele oncológica. Deve estar capacitado para identificar as reações mais frequentes e aconselhar sobre medidas gerais e específicas a adotar durante e após os tratamentos oncológicos. Também deve assumir um papel de monitorização da progressão das reações, devendo ajustar as recomendações conforme necessário e contactar o oncologista, sempre que a gravidade das RAMD o requeira. A implementação da dispensa em proximidade e da competência em oncologia, reforçam a relevância deste tema para a profissão farmacêutica.

Artigo originalmente publicado na NetFarma, disponível AQUI.