Tomada de decisão em Saúde baseada na evidência*
Renato Ferreira da Silva
Secção Especializada em Investigação & Ensaios Clínicos da Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde
Em pleno século XXI, é cada vez menos aceitável que qualquer tecnologia de saúde seja disponibilizada sem evidência comprovada sobre os seus resultados clínicos. Neste contexto, a ciência, a investigação científica e, em particular, a investigação clínica assumem um papel central na prática da medicina e das profissões de saúde em geral. O paradigma atual na prática clínica exige a integração adequada da melhor evidência científica disponível em todos os processos de tomada de decisão.
No início da década de 1990, vários investigadores clínicos anglo-saxónicos de várias escolas médicas, desenvolveram o conceito de tomada de decisão baseada na evidência. Esta pode ser definida como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre os cuidados ao indivíduo, seja no diagnóstico, prevenção ou tratamento. Contudo, a tomada de decisão baseada na evidência pressupõe a integração de três importantes e inseparáveis dimensões: (i) a experiência clínica individual, (ii) a melhor evidência científica disponível em cada momento, resultado de investigação clínica robusta, e (iii) a consideração e respeito pelos valores, necessidades, expetativas e características individuais de cada doente, da sua família e do contexto dos serviços de saúde.
Embora a prática clínica esteja intimamente ligada à investigação científica, a sua integração de forma sistemática na prática clínica diária ainda está longe de ser uma realidade. Se quisermos olhar sob o paradigma quantitativo, as respostas às questões de investigação dependem da capacidade de classificar ou medir adequadamente variáveis, tipicamente expressas como medidas de associação ou efeito, entre outras, que representam observações dos fenómenos do mundo real e que, naturalmente, suportam as decisões da prática clínica.
Os farmacêuticos, profissionais centrais neste contexto, tomam decisões clínicas no âmbito da sua prática clínica e assistencial. Portanto, devem estar capacitados para reunir, selecionar e interpretar a melhor evidência científica disponível em cada momento para tomar decisões informadas, e não apenas baseada na sua experiência clínica individual. Isso aplica-se ao aconselhamento ao doente, à proposta de introdução de novas tecnologias de saúde na sua instituição ou à fundamentação de pedidos de autorização de utilização especial.
Neste âmbito, a Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde (SPFCS), através da sua secção especializada em Investigação & Ensaios Clínicos, tem promovido ativamente a capacitação dos seus membros nesta área. Em outubro de 2023 e março de 2024, realizaram-se duas grandes masterclasses sobre evidência do mundo real, discutindo os fundamentos, oportunidades, desafios e limitações desta abordagem. Debateu-se sobre metodologias, ferramentas e fontes de dados, assim como a investigação clínica na prática assistencial do farmacêutico, ensaios clínicos, e farmacovigilância e estudos de pós-comercialização. Adicionalmente, a SPFCS tem promovido sessões internas de ambiente simulado dos trabalhos de uma Comissão de Farmácia e Terapêutica, estimulando o espírito crítico na discussão e na tomada de decisão acerca da utilização de tecnologias de saúde.
Estas iniciativas visam preparar os farmacêuticos para gerar e interpretar a melhor evidência científica, com foco particular nas diferentes abordagens epidemiológicas dos estudos do mundo real e nas suas vantagens e limitações na avaliação da efetividade, segurança e valor terapêutico acrescentado das tecnologias de saúde. Como tal, a capacitação contínua dos farmacêuticos é fundamental para garantir que as decisões em saúde sejam sempre baseadas na melhor evidência disponível, promovendo assim a segurança e o bem-estar dos pacientes.
* Texto publicado no portal Netfarma, podendo ser lido AQUI.